quinta-feira, dezembro 19

Coruja





Tenho fascínio por animais estigmatizados. Carregam em si mitos e lendas. Não bastassem escorpiões, morcegos serpentes e aranhas, parte de meu dia a dia de trabalho, tenho paixão por corujas. Talvez pelo fato de eu mesmo, de vez em quando, ser um outsider. As mães-coruja, estas eu admiro com reservas, pois, normalmente, são dominadoras e acabam criando pestinhas. Cabem exceções. Jamais incorreria em injusta generalização. Pode-se muito bem ser mãe ou pai-coruja no amor, no cuidado, no carinho, sem deixar filho com manhas e sem norte. Pensando bem, as que estragam seus filhos são minorias. Minha paixão é pelas corujas. Estas aves de rapina imponentes que, além de seres viventes especiais, carregam o peso de forte simbologia, perdendo para poucos representantes do reino animal. Em minhas redes sociais, posto fotos, lá estão sempre presentes. Talvez percam para escorpiões e insetos, com suas cores, formas e belezas escondidas, às vezes, só detectadas por lentes macro, capazes de expor caprichos da natureza em detalhes deslumbrantes.

Como mascotes da divindade grega Athena, corujas conquistaram título de símbolo da sabedoria. Além disso, meu quase homônimo Willian Meng – diferença de uma letra – nos conta: ”Os gregos consideravam a noite como o momento do pensamento filosófico e da revelação intelectual e a coruja, por ser uma ave noturna, acabou representando essa busca pelo saber.” Para outros tantos, coruja é sinal de mau agouro, de azar e morte. Pio de coruja então, morte certa por perto. Na idade média, eram vistas como bruxas disfarçadas e, quando davam o azar de serem capturadas, eram amarradas e deixadas presas sem água ou alimento, para morrer em sofrimento.

Cada cultura via a coruja de uma maneira. Os romanos como sinal de derrota em batalha, já os gregos prenunciavam vitórias quando na sua presença. Não existe caracterização de Merlin sem poleiro dela em seu laboratório. Edwiges era o nome da coruja de Harry Potter, que de ruim nada tinha.

Gosto de corujas. Seu canto acalma e embalou anos a fio o sono de meus filhos. Toda noite, minúscula Caburé pousa no telhado de casa e lá fica a piar horas a fio. O dia que não vem, fico apreensivo com seu bem-estar. Sinal de chuva forte ou frio bravo.

Ganho tempo precioso observando corujas buraqueiras cuidando de toca e cria. As acompanho à caça. Certeiras no voo, dificilmente um rato foge de seu ataque. Quando em vez, vejo uma tomando couro de passarinho miúdo em defesa de seus próprios pequeninos. Certa feita, durante captura de escorpiões, descobri toca de coruja em cemitério, jazido abandonado. Quase me matou de susto. Cabeça baixa, cuidando de meu trabalho. Quando levantei o olhar, lá estava a palmo e meio de meu nariz. Arrepiada, asas abertas se fazendo o dobro em tamanho. Cai sentado, coração a mil. Depois, recuperado, apreciei e fotografei a bela em plenitude.

Discretas, silenciosas, fiéis. Assim são as corujas. No Brasil, existem 24 espécies de corujas, muitas ameaçadas. Não carece nem apontar culpados. Pesquisadores em corujas brasileiras relatam: “Um casal de corujas-buraqueiras consome de 12,3 mil a 26,2 mil insetos, e de 540 a 1,1 mil ratos por ano”. Muitos deveriam se espelhar nas corujas. Mais discrição, atenção, préstimo e lealdade.





Publicado Jornal Correio em 19 de dezembro de 2013




https://www.dropbox.com/s/8arck24h65wxgy6/Coruja%20jc.pdf

quarta-feira, dezembro 11

Do lar



Logo Blog Donos de casa

Novembro partiu e, daqui a alguns dias, completaremos oito anos em casa sem ajudante. Tudo começou num belo dia em que tivemos um feriado prolongado e, querendo ser justos, resolvemos estender essa folga para nossa auxiliar.

Ao retornar, ela pediu conta e ainda tripudiou, de forma cínica, sobre nossas cabeças. Com sorriso de canto de boca, nos disse que, graças à folga recebida, tinha conseguido emprego melhor. Deixou-nos a ver navios em momento crítico em meio à correria de horários malucos e falta absoluta de tempo. Em nenhum momento sentimos raiva ou rancor, ao contrário, sabemos muito bem que todos podem e devem procurar melhoras na vida, nesse palco selvagem de competição e puxadas de tapete. Ela agiu com o justificável instinto de preservação. Faz parte do jogo. Ficou, na época, apenas um resquício de tristeza, pois saiu sem aviso e não carecia troça. Passou, pronto. Se ela precisar de carta de recomendação estamos aqui para fornecê-la, boa trabalhadora. Bom, lá se foram oito anos e agora mais nada dela sabemos, nem por onde anda. Esperamos que esteja bem e feliz. É de coração.

Daquele momento em diante, resolvemos conquistar alforria, acertar horários e, nós mesmos, cuidarmos de tudo. Do lavar ao cozinhar, do arrumar, varrer, jardinar e tudo mais. Sempre tive comigo que empregada é luxo. Filho de americano do Brooklyn, NY, e tendo morado por lá bom tempo, só vim a conhecer empregada doméstica no Brasil. Lá, tínhamos faxineira no máximo uma vez por mês. E olha, o carro dela, um Cadillac rabo de peixe, dava de mil na Station Wagon de meu pai, com laterais em detalhes de madeira.
Todos em casa fazendo sua parte. Crianças arrumando o próprio quarto. A lei do “sujou, lavou” começou cedo em casa. O caçula com 10 anos fazia muito bem sua parte. A irmã, pouco mais velha, também. Foi pedagógico. Alguma lição de liberdade deve ficar para o futuro deles.

Harmonia e economia. Claro, sempre entreveros existem, até hoje. Quem não tem dia de preguiça? Em relação à economia, lembro-me de caso contado.
Dois amigos, já por volta dos 50, ex-namorados de infância, se encontraram num bar. Há muito não se viam. Sentaram-se. A primeira coisa que um faz é acender um cigarro. Meio espantada:

— Fumando até hoje?
— Quase dois maços, acredita!?
— Sabe que, se tivesse economizado essa grana durante esses anos todos, você hoje poderia comprar uma Ferrari zero?
Ele pensou um pouco, bateu levemente os nós dos dedos com mão sobre a mesa e na lata e perguntou:
— Você nunca fumou, não é?
— Claro que não! E você bem sabe disso.
Olhada entorno, testa franzida:
— Uai, então cadê sua Ferrari?

Sabemos que, sempre que se economiza, pode-se planejar outros destinos para o não gasto. Mas isto não é o principal. O grande aprendizado foi redescobrir que podemos viver plenamente, sem dependência visceral de alguém para fazer por nós as entediantes e repetitivas tarefas domésticas. Põe tédio nisso. Vencer a preguiça e lá vamos nós. Existe vida plena sem ser patrão. E tempo, nós fazemos o nosso.
Com disciplina e participação de todos ninguém fica sobrecarregado e, detalhe passa-se a conhecer e valorizar cada cantinho da casa. Prazer ao terminar faxina, é imensurável. Sensação imensa de bem-estar.
Não compramos Ferrari, mas apostem suas fichas, ganhamos prazer, cumplicidade e união. Vale muito mais do que o carro.





Publicado Jornal Correio em 11 de dezembro de 2013


https://www.dropbox.com/s/fi3xnneu6gr3byc/Do%20lar%20JC.pdf

segunda-feira, dezembro 9

Rua da Paz em guerra


Projeto lei tramita na câmara municipal propondo transformar a Rua da Paz no Bairro Morado da Colina, para mim ainda Patrimônio, em rua de comércios mil. Nada demais se esta rua estivesse em bairro colado no centro ou em lugar estratégico e, principalmente, não se tratasse de bairro iminentemente residencial por natureza e tradição. É certo que por lá já funcionem algumas atividades diferentes das que se enquadram no plano diretor de nossa cidade.

Tem uma academia de não sei o quê, tem uma outro não sei o quê tipo zen com portais de madeira e tudo mais, tem inclusive uma de nossas Unidades Básicas de Saúde funcionando em casa alugada.
Tem uma simpática igrejinha, Nossa Senhora do Bom Parto, que todos os anos festeja na rua sua festa de São João
E lá na esquina com a Nicomedes um centro comercial muito bem instalado, esteticamente bonito e que, na realidade está virado para a Avenida Nicomedes Alves dos Santos, portanto nada tem haver com a Rua da Paz.

Não quero nem entrar na seara das manobras políticas para que tal lei seja aprovada nos estertores finais da atual configuração da Câmara Municipal. Mas, se eu fosse edil em um momento desses faria como a nossa Prefeitura. Ficaria em "standby" para fatos polêmicos, porém trabalhando muito como pode ser observado cidade à fora. Empenhado-se  com o que ai está para fazer, não criando controvérsias à esta altura do campeonato.
Um bairro residencial que aos poucos está se tornando uma ilha, cercado de comércios por todos os lados. Um perigo pois aos poucos estes vão, devagar e sempre, contaminando ruas laterais, subindo, subindo, tomando os espaços e nada agregando de saudável ao bairro.
Falo com conhecimento de causa. Nasci e me criei no bairro Funcionários em Belo Horizonte, mais exatamente entre as Avenida Afonso Pena e Rua Ceará.
Vi de perto o rápido domínio das áreas comerciais e o crescimento vertical esmagarem um dos recantos da minha infância/adolescência.
Se antes brincávamos de  bente altas mas ruas, explico: Bente altas parece com o Bate daqui, só que lá jogamos com bola de meia, casinha de graveto e usa-se os pés – Joga no Google, aposto que encontra. Se as ruas de pedra eram nosso espaço de diversão naquele tempo, passa lá hoje. Horror cinza fuligem e concreto. Barulho horrível de carros e motos. Para minha tristeza, golpe de misericórdia: A casa em que nasci foi derrubada e virou pouso de veículos: estacionamento.
Passo pela Rua da Paz, de carro, a pé ou bicicleta a caminho da horta do japonês lá na beira do rio Uberabinha, na verdade acho que tem japonês nenhum, mas acostumou-se a assim ser chamada.

Querem acabar antes que comece com o pé de guerra que vai gerar a Rua da Paz? Façam consulta aos moradores do bairro Morada da Colina ou Patrimônio. Deixa quem por lá mora decidir se quer continuar em paz ou abafados por comércios e movimento. A escolha deveria ser unicamente deles e não cair como uma bomba em seus colos e noites de desassossego - palavra sibilante essa - diz em som exatamente seu significado. Decisões  nesses moldes costumam só, somente só desagradar muitos em prol da alegria de uns poucos.

Assim, do nada em futuro próximo e sendo tal lei aprovado me vejo desviando de carros em pleno sábado pela manhã. Eu hein, vou é comprar verduras é na feira, pelo menos lá aproveito para um pastel com café.



Dezembro

Pé d'água


Minutos depois...

quarta-feira, dezembro 4

Bebum consciente



Quatro horas da manhã, um homem com andar meio cambaleante caminha pela rua escura. Um carro da polícia se aproxima e os policiais resolvem averiguar a situação:
- Onde vai o cidadão a uma hora destas?
- Estou indo assistir uma palestra.
- Palestra?! A esta hora? Sobre o quê?
- Sobre os efeitos do álcool e das drogas no corpo humano. Os danos causados pela esbórnia. A farra na degradação da vida amorosa conjugal. Os impactos negativos sobre o sistema nervoso central eperiférico advindos dessa vida desregrada. Dos malefícios aos órgãos internos e também externos devastados pela ingestão desenfreada de fumo, álcool e drogas ilícitas. E a vida sem Deus no coração.
- Ô meu, fala sério! E quem vai dar uma palestra desta abrangência e relevância científica a esta hora da madrugada?
- Minha esposa, quando eu chegar em casa.

( Via Facebook de Mardones da Costa )

Férias

Depois de um ano de muito trabalho, entro em férias. Boas festas para todos e até 2014. São os votos de toda equipe do Laboratório de Animais Peçonhentos e Quirópteros da nossa SMS.

Parabéns a todos nosso grupo pelo empenho, compromisso e valentia para vencer adversidades inerentes ao trabalho e ainda brilhar como nunca como Servidores Públicos que somos, com muito orgulho.

Algumas fotos de nossa (minha) última ação do ano antes das férias. A convite do Ministério da Saúde, mais uma vez atuando como monitor em Capacitação de Manejo de Escorpiões desta vez em Palmas Tocantins.








domingo, novembro 17

Intervenção urbana


Calçadas




Às vezes, somos apresentados ao óbvio para nos convencermos de que nem tudo está perdido, pelo menos em nossas cabeças e convicções.

Outro dia, a professora Ludmila Sandoval, em lúcido comentário, aqui mesmo no CORREIO, expressou o que acredito ser o sentimento coletivo. Ela nos conta que “o Ministério Público, baseado nos códigos de posturas municipal e federal recomendou que os bares de Uberlândia disponibilizem espaço de 1m75 livre de mesas e cadeiras nas calçadas, para passagem de pedestres”. E ainda: “Calçada não é extensão de bar, nem lugar para mesas e cadeiras.” E não é mesmo. Aquela cadeira onde podemos preguiçosamente esticar as pernas e trocar dedo de prosa com vizinhos pode: sinal de cidade tranquila, será? Ah! e me mostra uma calçada com mais de 1m75 aqui em Uberlândia!

Invasão de área pública é antiga e não é desprivilégio apenas de Uberlândia. Lembro bem de antigo bar na Rio Branco que todos frequentávamos à época (põe tempo nisso), no qual lá estavam as mesas na calçada. E olha que o bar era constantemente frequentado por servidores públicos, inclusive da Divisão de Posturas. Não é que faziam vista grossa, nada disso. Aquilo era considerado comum, normal. Portanto, legal, pelo menos aos olhos do clamor geral.

Ninguém nunca reclamava, desviava e pronto. Felizmente, os tempos são outros. Pessoas passam a conhecer seus direitos, questionam mais e querem respostas. Saudável é aquele que, além de saúde, detém informação.

Em cidades litorâneas, em muitos casos, foi necessária ação rigorosa do poder público para disciplinar barracas e bares. Em Salvador, a medida chegou ao extremo com derrubada dos quiosques invasores que teimaram em não se adequar às novas normas. Em Natal, Fortaleza e Maceió também houve intervenção pública. Mas sabe-se bem que as faixas de areia de praia são infinitamente maiores do que nossas calçadas. São Luís que não me deixa mentir.

Já aqui para nossas bandas parece que as cidades foram programadas para carros, não para gente. As já estreitas calçadas não poderiam, em hipótese alguma, permitir que áreas ditas públicas fossem tomadas por comércios de qualquer espécie. Temos bares que funcionam há anos em áreas públicas imensas, obstruindo o ir e vir das gentes, dificultando o livre direito de transitar por elas. Se for portador de necessidade especial, nem se fala.

O perigo de tragédia anunciada, descrita pela esclarecida professora, é apenas uma das facetas deste descalabro que se tornou um fenômeno cultural aqui.

Calçada é para caminhar. Não é lugar de mesa, cadeira, painel de propaganda, nem banca de venda de seja lá o que for. Queremos educação no trânsito, concorda? Pois nós, pedestres, estamos mais do que incluídos nessa confusão urbana. Portanto, para não invadir espaço de bólidos ameaçadores, criadores de tristes estatísticas, temos obrigação de atravessar sobre faixa de pedestre e direito de uma calçada livre de empachamentos. Mas não apenas.

Conhecemos bem a conservação da parte que nos cabe. Em muitos pontos parecem trilhas com obstáculos intransponíveis até para atletas experientes em “trekking”. Medalhista aquele que, em casa, chega sem torção ou queda. Antigo problema merecedor de solução imediata. Fim de mesas e outros obstáculos, e calçadas conservadas. Aí, sim, uma cidade educadora para cidadãos educados.







Publicado Jornal Correio em 17/11/2013



https://www.dropbox.com/s/mpo36jh6y1838rb/Cal%C3%A7ada%20JC.pdf

quinta-feira, novembro 14

Virtualidades

O mundo virtual se torna cada vez mais real e eloquente em nossas vidas. Difícil algo em normal cotidiano no qual não se faz presente. Não lembro a última vez que enviei carta escrita à mão pelos Correios. Um de meus maiores prazeres era escrever longas cartas. Usava caneta Parker 51, herança de Vô. Tinteiro em forma de losango durava pouco. O cheiro da tinta, lembrança olfativa, volta em vez, o sinto em algum lugar. Agora, simplesmente abro uma folha branca virtual e dedilho cartas, ofícios, bilhetes, contos, poemas e prosas. Passei antes, é claro, pela boa e velha Remington, não a arma que, apesar de que, bem poderia ser considerada como tal. Pena e espada, duas poderosas formas de ferir, atacar, mas principalmente defender. Confesso, fui aluno relapso em aulas de datilografia e nunca passei do a, s, d, f, g – ç, l, k, j, h. Me viro com dois dedos, os indicadores. Às vezes, peço ajuda a um polegar ou ao médio, vulgo maior de todos, para os íntimos e as crianças. Erro todo tempo, exatamente a facilidade de usar um backspace e corrigir o que nos torna preguiçosos e desatentos. Lembro quando surgiu uma fitinha branca que colocávamos sobre a letra errada na máquina mecânica e, depois na elétrica, apertávamos a tecla, cobrindo o que queríamos esconder. Aí surgiu o Errorex.

Pincelavam-se os enganos. Os ofícios e memorandos mais pareciam filhotes de paca, tamanha a quantidade de pintas brancas saídas das mãos de datilógrafos ligeiros, mas fracos na língua-pátria. Só conheci um exímio e veloz mestre dos teclados e do domínio da gramática ao mesmo tempo. Tio Fábio Borges, escrivão do crime. Fera como poucos. Não creio que ele se acostumaria com a fragilidade dos teclados de plástico dos computadores de hoje. Saudade gigante dele. De seu bom humor, de seu coração de ouro, sempre preocupado com todos. Não se fazem mais tios Fábios como antigamente. A essas alturas, ele deve estar a reorganizar em alta velocidade os arquivos de São Pedro, colocando ordem na casa celestial. Pouco duvido que esteja empunhando sua velha companheira de tantos anos no Fórum, uma Olivetti Línea. Seu veloz dedilhar pode ser ouvido em dias de chuva, basta por atenção. Tantos recursos, novas tecnologias. Mas por mais incrível que pareça alguns destes, ao invés de ajudar a vida do cidadão, parecem tormento.

Quer um exemplo? Aquelas famigeradas letrinhas e números que temos que digitar para provar que somos seres viventes e não robôs alienígenas invasores. Sério, conte, você consegue mesmo ler com tranquilidade aquele emaranhado de garranchos onde um “R” misturado a um “N” mais parece hieróglifo? Letra “L” se colada a um “G” não tem decifrador de códigos secretos que a desvende. E, para piorar, alguns sites, depois de uma hora de tentativas, quando finalmente você consegue enviar, apresentam mensagem bem sacana: “acho que você já falou sobre isso”. Outros, em artimanha, bloqueiam qualquer envio após três tentativas erradas. Deveria haver outra forma de resolver isso. Tantas mentes brilhantes por aí. Se o pessoal do Obama desse com um reCAPTCHA, palavra esquisita em si mesma, não haveria espionagem mundial. Os caras iriam se suicidar de desgosto. Acho que, muito em breve, desenferrujo minha Parker 51 e compro pote “Super Quink” em formato de doce de leite de venda. Passarei a retomar os manuscritos e o lamber de selos. Sofre-se menos.





Publicado em Jornal Correio em 14/11/2013
Clique no Dropbox abaixo para versão pdf do Jornal


https://www.dropbox.com/s/bswn7iifzzpraic/Virtualidades%20JC.pdf

segunda-feira, novembro 11

Garden Run 2013

Fui mal, tempo líquido 36:17 confira aqui.  Meta baixar dos 30'. Domingo passado cheguei a 32' nas Milhas de Uberlândia. Devagar chego lá.
Dia 1º tem a Corrida das Cores, essa é uma festa ! Tô dentro !!!!!


Fotos: Bia Stutz




sexta-feira, novembro 8

Disseminando ideias

Não importa a simplicidade das acomodações. Fomos muito bem recebidos e, em Água Limpa impossível descrever a maravilha da comida desse hotel feita com capricho em fogão a lenha.
Clica nas fotos para ampliá-las


Hotel em Água Limpa GO






Hotel em Araporã MG


segunda-feira, novembro 4

Deus existe?

Deixar de acreditar em Deus

Pode parecer amargura, acúmulo de tristeza e decepções. Pode parecer chão perdido. Agulha de bússola não acha meu norte magnético, nem emocional. Pode parecer um monte de coisas e um monte de coisas é. Olhos sem brilho ofuscam o mais belo nascer do sol. Dias atrás, deitado em rede, noite em claro passando a vida a limpo, do nada, em esplendor, o sol me aparece preguiçoso. Não consegui ver poesia ou encanto maior. Normalmente, ficaria a admirar os primeiros raios entre árvores, ganharia o dia. Banal demais, me pareceu desta vez. Todo dia a mesma coisa. Chatura. Tanto faz a Kepler e suas leis ou Galileu atormentado pela inquisição. Passarada começa a cantar. E daí? Passarinho foi feito para cantar o mesmo e repetitivo gorjeio, dia após dia. Não canta para nós. Canta a procurar fêmea e perpetuar seus genes.

Estou mais propenso a me apegar ao caos determinístico de Einstein e Langevin.

Sempre busquei beleza em tudo. Nas insignificâncias de Manoel de Barros, nas infinitudes, suas belezas da natureza. Um paraíso de vida à nossa volta. Meus olhos se tornaram opacos.

Não foi da noite para o dia. Foi a observação. A maldade humana explícita. Roubos e desvios de dinheiro que deveria ser aplicado em saúde e educação. Fome e miséria por toda parte, enquanto alguns se banqueteiam até implodir. Crianças morrendo envenenadas por bichos por falta de assistência e negligência médica. Os que acreditava bons, altruístas, humanos, deixando-se corromper pela ganância, pelo dinheiro. Guerras, desamores.

Distancio-me cada vez mais da raça humana.

Armas químicas na Síria eliminam com dor inimaginável inocentes civis, crianças, mulheres e idosos. Jovens com uma aquarela de vida por vir, queimam em chagas abertas garganta abaixo. Morte brutal. Sofrimento. Senhores e senhoras do mundo, da guerra, discutem se devem tomar atitude. Alguém resolve espionar todos. Paranóico povo em sua solidão e isolamento

Sempre acreditei na paixão eterna, no amor sem fim. Se alguém mais caiu nessa é hora de reconstrução. Rever dogmas, inverter paradigmas. O amor aqui não existe.

Alguém disse que Deus criou aqui um experimento e nunca mais voltou.

Se Ele não acredita na sua criação, me dê um motivo para acreditar Nele!?

Ah, as religiões. Outra perversa invenção humana. Cada uma com sua certeza absoluta de que só através dela se chegará ao almejado paraíso. Assim sendo e se tantas religiões existem, vários deuses devem estar de plantão. Ou desconectados. Quer Deus? Procure no Face, no Twitter.

Dirão que é questão de fé. Então, ao mesmo tempo em que deixei de acreditar em Deus, também perdi a fé. Um pequeno substantivo feminino, definido como “adesão absoluta do espírito àquilo que se considera verdadeiro”.

A vida um jogo. Sem regras ou manual de instrução. Os tropeços nos desgostos vão se acumulando de tal forma que o fardo se torna pesado demais a suportar. Recorre-se a Deus e ele, infalível, não dá as caras. Sem historinhas de anjo retirando água do mar com dedal e jogando em buraco de areia com intuito de secar o mar. Não cola mais.

Ando amargo. Penso no reencontro com o Altíssimo e rezo, exatamente, rezo em conversa com Ele, para tentar entender tamanho desprezo divino.

Converso como se conversa com um pai. Amargura e dúvida.

Amargo? Amargo é jurubeba. Cansei. Agora Serei ateu, graças a Deus.






Publicado Jornal Correio em 3/11/2013

quinta-feira, outubro 24

Escorpião

Longos 30 anos de experiência e quase nada sei do bicho. Sua inacreditável capacidade de adaptação aos mais hostis e estranhos ambientes torna-o uma obra-prima da evolução. Algumas espécies, nem se dão ao luxo de procurarem par. Não carece namoro, nem acasalamento. Passou da adolescência, chegou à idade adulta e pronto: do nada, ficam prenhas e parem montes de filhotes, duas, três vezes ao ano.

Em hipotético cálculo matemático: um único escorpião que fez de sua reprodução a partenogênese pode gerar em longeva vida aracnídea quase 7 milhões de descendentes se nenhum morrer ao longo dos anos. Hipotético, repito: alívio nosso. Com eles até o pescoço, caso feito procriador se realizasse à risca, seríamos forçados a viver nos polos, únicos lugares onde não são encontrados. Nesse mundão de tão variados ambientes. Assim, só teríamos que temer ursos polares e nossa fértil e fantasiosa imaginação, mestre em criar fobias, paranoias e divindades protetoras. Das frescas matas a tórridos desertos, do ponto mais alto de montanhas gigantescas, pilares da terrena celestial abóbada, a profundas fendas e cavernas, esbarraríamos com danado. O gênero humano estaria fadado a desaparecer com os Leões das cavernas e Quaggas.

Mas nem por isso nos dão paz. Corrijo. De tanto importuná-los com nossas mazelas de criaturas (des)humanas, os obrigamos, por total falta de opção, a buscar refúgio como sinal de vingança, exatamente junto a nossas moradas. Como animais de estimação os tratamos. Com carinho, fornecemos-lhes em abundância: alimento, abrigos seguros e água em profusão, para que se banqueteiem e saciem sua voraz necessidade por umidade.

Em velocidade hipersônica, bem acima de Mach 3 passaram-se 30 anos e, a cada dia, tenho surpresas com escorpiões. Em 2007, tive a honra de ser convidado pelo Ministério da Saúde (MS) a participar da elaboração de um manual, cujo objetivo era normatizar as condutas no Brasil de manejo desse bicho que a tantos assusta e a muitos mata. O fruto de esforço de um grupo foi lançado em 2009.

Desde então, sempre a convite do MS, passamos a girar mundo, capacitando Estados. Incontáveis encontros com profissionais de saúde e muita prática de campo. Municípios também solicitam nossa ajuda e, sempre que possível, atendemos, pois salvar vidas é nossa missão maior.

Embrutecidos com relatos sobre acidentes com esses bichos, achei que tinha sentido tudo nesta vida. Ledo engano. Em nossa última expedição de captura, após treinamento, em fazenda no interior de Goiás, ouvimos relato de uma avó, cujo netinho havia morrido vítima de ferroada de escorpião. Com riqueza de detalhes impressionantes, essa senhora nos narrou minuto a minuto sua via crucis, desde a pequena localidade até o fatal desfecho do acidente, onde encontrou não recurso, mas indiferença e maltrato por parte de quem deveria tratar, amparar e consolar.

Uma pequena plateia de profissionais calejados com lida de situações de risco, sempre fuçando onde não deve à cata de bichos estranhos e aprendizado, permaneceu imóvel e silenciosa durante todo desabafo de dor. Passarinhos cantavam no entorno. A varanda, o chão batido e o fogão à lenha: cenário. Todos nós, alguns copiosamente, outros disfarçadamente, choramos com alma e lágrimas.
Trinta anos, pouco sei do proceder dos escorpiões. Toda uma vida e nada sei do comportamento humano. Alguns em especial.















Publicado em Jornal Correio em 24/10/2013

terça-feira, outubro 22

segunda-feira, setembro 30

Déjà vu

Vazio

Dia vazio de palavras esse hoje.
Para ressaca de lexema, nem lexotan dá jeito.
Mas se tomar durmo. Ao dormir não lembro de escrever, tentaria não aborrecer. Mas como me furtar do prazeroso unir de letras?
Injusto. Se durmo e não sonho? Nada a contar.
Crio então restaurante de letras. Cada um com seu pedido.

Poemas? Sim senhor, mas ao ponto por favor.
Crônica do cotidiano? Agradeço andam um tanto quanto indigestas, ácidas.
Conto? Não conto, me falta tempo, quero algo mais breve, ligeiro.
Haikai? Torço o nariz. Nem de longe, oleosa e sem gosto. Oriental. Não acostumo com o jeito, distante de meu gosto tropical, colorido, rico. Falta música, vento e cheiro de terra.

Falta o perfume de minhas damas-da-noite. Cheiorosas a Misturar alfazema, leite de rosas, laquê. Química enjooativa a se juntar ao meu Lancaster, a meu Gumex. Cabelos duros em pasta incolor a fingir lisos.

Falta no cardápio da triste memória a Guaigurus de tempos longe, o Rosário e sua vitrola imensa movida a moedas. O jantar/amanhecer no Scotellaro. Última cerveja da noite antes de, macambúzio, pegar o Serra Capivari 44, rumo de casa. Casa?

Prosa? Claro que quero, mas a sua. Puxe uma cadeira, encha o copo, estale os dedos, chame o garçom. Vamos falar de um dia vazio de palavras como este. Vamos falar das damas-da-noite. O que  fazem à luz do dia?