segunda-feira, julho 11

Moletom





Frio que não quer ir embora força a gente a fazer cada uma! Roupa de frio de ruar (ato de ir para rua, bater pernas, cair no mundo). Frase muitas e muitas vezes gritada por mães ou avós aflitas: Já vai ruar outra vez menino!! Já é rara. Agasalho de ficar em casa, de dormir, então, nem se fala. Tomar banho e vestir o quê para, confortavelmente, se deixar ficar em sofá a ler, ouvindo boa música ou mesmo vendo televisão? Não tinha. Criei coragem e fui a lojas garimpar algum do meu agrado.A falta de costume me fez espantar com o tamanho das lojas visitadas. Imensas, cheias. De roupa, gente pouca.

Funcionários sem identificação seguindo tendência, se misturam a potenciais fregueses, ao que ficamos com cara de boi sonso, olhando para ver se dão sinal de vida de vendas ou se são outros clientes. Achei que cliente era só de consultório, não é não. De freguês a cliente em um dia de compras. O jeito foi me virar sozinho e procurar o departamento de moletons. Tinha que existir um, ora.

Depois de muito andar, já sentia o frio diminuir. Achei o tal lugar onde os moletons se escondiam, um sobre o outro, parecendo dizer em triste murmúrio: — Me leva não! Olhei um, olhei outro e revirei a pilha tentando não desorganizar. Cáspita! Qual seria meu tamanho? Acostumado com números 38, 40 e tais, aqui eram letras, como nas camisetas.

O jeito era experimentar. Agarrei um de cada cor e, outra luta, foi achar um provador, que agora se chama “trocador”. Trocador pra mim é de ônibus. Segui busca. Até aqui não havia sido abordado por ninguém da loja. Nem alma penada chegou, com sorriso ou cara feia, para perguntar que raios estava fazendo ali. Achei! Não só o provador, como também um alguém que, rapidamente, contou as peças que carregava e me deu uma ficha, além de seco olhar.

Cabine de experimentar roupa consegue ser menor do que banheiro de ônibus ou avião. Alguns ganchos, um espelho, e banquinho, cortina que mal fecha. Ginástica de contorcionista para desamarrar o tênis, equilibrar em uma perna só, cabeça encostada na parede de compensado, três pulinhos para um lado e quase me vi no corredor aos gritos de “Abrem-se as cortinas”! Celular cai chapado, carteira some e chaves do carro se escondem como coelho ligeiro em meio a tanto pano. Comecei a suar, o calor só aumentando.

As medidas. Meu manequim é um quase nada. O tamanho P fica curto na canela. O comprimento M faz a barra arrastar no chão. Jesus Cristinho, o G fica uma marmota! Mais acrobacia para vestir a calça e calçar tênis. Um serviu, mas a cor não era a que eu queria.

Recolho tudo, saio de cadarço desamarrado, entrego para a moça roupas e ficha. Retorno ao canto dos moletons e pego mais um tanto de modelo diferente. O trocador fica longe dos moletons, fiz umas tantas viagens. Suor já brotando nas têmporas e testa. A moça me estende outra ficha e as chaves do carro, que ficaram no monte. Primeiro sinal de humanidade. Acho que ela estava ficando com dó de mim. O calor que sentia lembrava o de um bom treino de academia. Quase não conseguia tocar o tecido quente do experimentado.

Exausto, me dei por vencido, pois nada me servia. Com um calor desses, que moletom que nada! Comprei, sem experimentar, um calção de corrida. Saí feliz da vida.






Em Jornal Correio 10 de julho de 2016

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